A inteligência artificial pode pensar como um filósofo? Coloquei o ChatGPT à prova
O ChatGPT pode ser considerado um filósofo? Recentemente, pedi que ele analisasse alguns dos maiores debates filosóficos – o Problema do Bonde, o Navio de Teseu e o Cérebro numa Cuba. Não foi apenas por diversão, mas porque a IA tem o potencial de nos ajudar a enxergar problemas complexos sob novas perspectivas. E espero que seu papel no raciocínio seja muito mais significativo do que apenas gerar conteúdos genéricos e superficiais.
Em breve, a inteligência artificial poderá precisar aplicar o raciocínio em situações do mundo real – como carros autônomos tendo que tomar decisões de vida ou morte, essencialmente um Problema do Bonde na prática. O ChatGPT ainda não está dirigindo nossos carros, mas esses dilemas estão se tornando cada vez mais relevantes.
Isso me fez pensar: se o ChatGPT pode nos ajudar a repensar dilemas filosóficos antigos, será que ele também pode criar novos? Ele seria capaz de aplicar questões milenares aos desafios modernos? E, além disso, como a IA constrói experimentos de pensamento que lidam com os dilemas éticos que ela mesma apresenta?
Então, pedi ao ChatGPT para gerar experimentos de pensamento para os pensadores da atualidade – alguns reinterpretando dilemas clássicos, outros completamente originais. O que se seguiu foi um diálogo dinâmico, envolvendo a própria estrutura do experimento, as questões que ele levanta e como o ChatGPT tentaria “resolvê-lo”. Claro, experimentos de pensamento não têm respostas definitivas, mas quis aprofundar a discussão, tratando a IA como um verdadeiro parceiro de raciocínio.
Sei que filósofos repensam dilemas clássicos há séculos. Não precisamos que a IA pense por nós – alguns poderiam até argumentar que isso representa um risco de nos tornar menos críticos. Mas essa não é a questão aqui. Em vez de substituir o pensamento humano, talvez a inteligência artificial possa atuar como uma parceira intelectual, ajudando-nos a formular melhores perguntas, desafiar pressupostos e explorar novas formas de raciocínio para o futuro.
1. O Replicante Infinito (Desafiando o Navio de Teseu)
O experimento de pensamento: Você faz o upload da sua consciência para um sistema de inteligência artificial, criando uma versão digital de si mesmo. Com o tempo, essa versão evolui, modificando suas memórias e processos de pensamento, enquanto seu eu biológico também continua a mudar. Após 50 anos, as duas versões divergiram significativamente.
A questão: Em que momento o “você” digital deixa de ser realmente você? Se for deletado, isso equivale à morte?
Por que repensar o Navio de Teseu? O experimento clássico investiga a identidade por meio da substituição gradual da matéria física, mas, na era digital, a identidade pode ser duplicada, divergida e evoluir em paralelo. A autorreplicação da IA levanta questões ainda mais profundas: a identidade se baseia na memória, na consciência ou na continuidade?
A “resposta correta”: A versão em IA é uma nova entidade, não uma continuação sua. Memória, por si só, não define identidade. Consciência não é apenas computação. A divergência cria separação. No entanto, se a sociedade começar a enxergar extensões digitais como parte do “eu”, o próprio conceito de identidade poderá ser redefinido.
2. O Autor Desaparecido
O experimento de pensamento: Um modelo de IA é treinado com seus textos, até que consiga produzir obras tão convincentes no seu estilo que nem mesmo seus leitores mais fiéis percebem a diferença. Com o tempo, você para de escrever completamente. Anos depois, um jornalista revela que seus últimos dez livros não foram escritos por você.
A questão: Em que momento você deixou de ser o autor? Se a IA pode replicar sua voz e ideias, a autoria exige esforço humano ou apenas uma identidade reconhecível?
Por que repensar a autoria? Inspirado no Paradoxo do Monte (Sorites Paradox), onde pequenas remoções desafiam definições, esse experimento elimina gradualmente a participação humana na criatividade. Ele também se assemelha ao Paradoxo de Teseu: em que momento um artista deixa de ser o artista?
A “resposta correta”: Você deixa de ser o autor no instante em que não está mais envolvido no processo criativo. Autoria é uma questão de intenção, não apenas de estilo. Se obras geradas por IA forem aceitas, o papel do autor pode mudar de criador para curador. A verdadeira questão é: o que realmente valorizamos no trabalho criativo?
3. O Samaritano Sintético (Desafiando o Problema do Bonde)
O experimento de pensamento: Uma ambulância autônoma se aproxima de dois grupos – um com cinco idosos e outro com uma única criança. Ela precisa escolher quem salvar. No último instante, descobre que todos são avatares digitais em um mundo virtual, onde os usuários sentem dor e morte como se fossem reais.
A questão: A IA deve agir como se fossem pessoas reais? Se o sofrimento parece real para quem o experimenta, o fato de sua existência ser artificial altera o peso moral da decisão?
Por que repensar o Problema do Bonde? O dilema clássico parte da suposição de uma distinção clara entre o real e o irreal, o humano e o não humano. Mas, na era digital, o sofrimento pode parecer real mesmo sem uma base biológica. A moralidade deve se aplicar à existência virtual?
A “resposta correta”: A IA deve tratar os avatares como pessoas reais – porque a dor é subjetiva, não apenas biológica. Desvalorizar o sofrimento digital pode abrir precedentes para justificar danos em outros contextos. À medida que a IA e as vidas virtuais evoluem, a ética pode precisar ultrapassar os limites humanos.
4. A Última Imagem Verdadeira
O experimento de pensamento: Um filtro baseado em IA otimiza toda mídia digital – fotos, vídeos e até realidade aumentada – até que ninguém mais se lembre de como é o mundo sem filtros. Um dia, um programador rebelde vaza uma única imagem intocada da realidade.
A questão: Você olharia para essa imagem? Se todos ao seu redor preferem a versão filtrada, o mundo sem filtros ainda tem valor?
Por que repensar a realidade? Inspirado na Alegoria da Caverna de Platão, onde as pessoas confundem ilusões com a verdade, mas com um toque moderno: aqui, escolhemos a ilusão. Se a realidade é ocultada por preferência, a verdade ainda importa?
A “resposta correta”: A maioria rejeitaria a imagem sem filtros – a percepção molda a realidade. As redes sociais e o conteúdo aprimorado por IA já demonstram como ilusões frequentemente superam verdades desconfortáveis. Mas alguém precisa olhar, ou corremos o risco de perder completamente a capacidade de reconhecer a realidade.
5. O Paradoxo da Verdade Viral
O experimento de pensamento: Um jornalista de IA cria um artigo completamente falso, porém altamente convincente, expondo um caso de corrupção. Apesar de ser uma invenção, a matéria gera uma investigação real, que acaba revelando corrupção verdadeira e levando a reformas.
A questão: O fato da história inicial ser falsa invalida o bem que ela causou? A IA deveria ser reconhecida por ter ajudado a descobrir a verdade ou condenada pela manipulação?
Por que repensar a verdade? Inspirado na Aposta de Pascal e na Tragédia dos Comuns, esse dilema questiona se um dano de curto prazo pode ser justificado por um benefício de longo prazo – mas, neste caso, o dano é intencional e feito pelo bem do público, não contra ele.
A “resposta correta”: A IA não deveria fabricar histórias – a verdade importa. Uma mentira que leva à verdade continua sendo uma mentira, e normalizar isso poderia justificar a disseminação de desinformação em larga escala. No entanto, esse dilema também nos obriga a refletir sobre os caminhos complexos e, às vezes, acidentais pelos quais a verdade vem à tona.
6. O Eu Fragmentado (Desafiando a Máquina da Experiência)
O experimento de pensamento: Interfaces cérebro-computador permitem que você divida sua consciência entre múltiplas realidades – uma para trabalhar, outra para socializar e outra para sonhar. No fim do dia, todas as versões se sincronizam. Um dia, porém, uma falha impede uma dessas versões de se reconectar.
A questão: Essa versão perdida de você pode ser considerada morta? Se continuar existindo sem voltar a se integrar, ainda é “você” ou se tornou uma entidade separada?
Por que repensar a Máquina da Experiência? O experimento original de Nozick questionava se escolheríamos um mundo artificial de prazer em vez da vida real. Mas, hoje, não enfrentamos uma escolha absoluta – já vivemos vidas digitais fragmentadas. O que acontece quando deixamos de ser um único eu coerente?
A “resposta correta”: A versão perdida é, essencialmente, um eu morto – a identidade depende da continuidade. Se diferentes versões de você existem em paralelo, nenhuma é completamente “você”, apenas fragmentos. Isso nos obriga a repensar não apenas o que significa morrer, mas também o que significa estar vivo.
O Futuro do Pensamento
Muitas das respostas do ChatGPT são versões reimaginadas de experimentos filosóficos clássicos, combinadas com novas ideias. Não digo que devemos tratá-las como verdades filosóficas absolutas, mas elas podem oferecer novas formas de pensar – não como modelos prontos para copiar e colar, mas como ferramentas para estimular a criação de nossas próprias ideias.
Além disso, esses experimentos podem ser valiosos para aqueles que desenvolvem sistemas de IA, chatbots e modelos de linguagem como o próprio ChatGPT. Como a IA aborda esses desafios? Há vieses em seu raciocínio? Quais suposições moldam suas respostas?
Alguns podem argumentar que IA não deveria se envolver com filosofia. No entanto, a realidade é que as pessoas já usam o ChatGPT para uma infinidade de tarefas, desde auxílio na escrita e recomendações de viagem até reflexões sobre seus sonhos e até mesmo conselhos terapêuticos. Podemos ignorar isso, ou podemos analisar criticamente como a IA “pensa”, formular melhores perguntas e nos tornar mais criteriosos na interpretação de suas respostas.
A IA não substituirá os filósofos tão cedo, mas talvez possa nos ajudar a pensar de novas maneiras – e isso, sem dúvida, vale a pena explorar.
Inspirado em Techradar.

Olá! Eu sou o Eduardo Feitosa, criador do Mundo Filosófico. Minha paixão pela filosofia nasceu do desejo de entender melhor o mundo, as pessoas e, claro, a mim mesmo. No blog, meu objetivo é tornar conceitos filosóficos acessíveis e descomplicados, trazendo reflexões profundas de uma forma clara e prática.