Lee Tien-ming, que faleceu na semana passada, era um pensador que escrevia para leitores curiosos e questionadores — e não apenas para colegas acadêmicos. Por isso, conquistou um público fiel entre amantes da literatura em Hong Kong.
Um episódio famoso ilustra seu alcance: certa vez, a estrela pop Faye Wong foi vista lendo em um avião, e o livro em seu colo era nada menos que Art of Thinking, de Lee Tien-ming, um dos campeões de vendas locais. O crítico gastronômico e personalidade da mídia Benny Li Shun-Yan comentou que, ao descobrir o interesse da cantora, chegou até mesmo a apresentá-la ao filósofo — considerado por muitos o mais influente de Hong Kong. Lee nos deixou recentemente, aos 80 anos.
Muita gente se surpreendeu com o gosto filosófico de Wong. Mas, na verdade, artistas do continente chinês costumam ter padrões literários e linguísticos bem elevados. Produtores e engenheiros de som que trabalharam com ela dizem que sua caligrafia é primorosa, lembrando o estilo tradicional chinês. Para memorizar melhor as letras das músicas, ela costumava reescrevê-las à mão, em longos trechos.
Outro exemplo dessa ligação entre celebridades e literatura veio em 2009, quando a atriz Zhang Ziyi foi fotografada tomando sol em topless ao lado do então namorado, o investidor bilionário Vivi Nevo, em um resort exclusivo no Caribe. Enquanto a maioria das pessoas só comentava as imagens ousadas, era possível notar claramente o livro que ela lia: uma biografia de Wu Zetian, a poderosa imperatriz da dinastia Tang, e de seu neto, o imperador Tang Xuanzong.

Voltando ao assunto — deixando de lado minhas referências pop já meio ultrapassadas — a filosofia é algo que atravessa eras. Pode ser silenciada (como no caso de Sócrates) ou cair em desuso (como ocorreu com Confúcio em certos períodos), mas sempre encontra um caminho de retorno.
E, se você é de Hong Kong e tem qualquer interesse pelo tema, provavelmente já esbarrou em Art of Thinking. Desde seu lançamento no início dos anos 1990, o livro ganhou diversas reedições e continua facilmente encontrado nas livrarias. Tornou-se — e permanece sendo — um verdadeiro fenômeno editorial local. Foi o único título de Lee Tien-ming que li, embora ele tenha publicado outros livros de filosofia voltados ao grande público, sempre com um estilo descomplicado e livre do jargão acadêmico.
Lee também figurava entre os professores mais procurados da Universidade Chinesa de Hong Kong, instituição onde construiu toda a sua carreira. Cheguei a assistir uma de suas aulas: o auditório estava lotado de alunos e curiosos. Além disso, ele contribuía regularmente com artigos para o jornal Ming Pao.
Não sei ao certo até que ponto ele atuava como um filósofo mais “técnico” — daqueles cujos escritos são praticamente inacessíveis ao público comum — nem se chegou a alcançar o cargo de professor titular. Leitores mais informados poderão esclarecer isso. Mas talvez justamente por não estar preso à filosofia excessivamente formal seja que ele se tornou tão querido e reconhecido. Afinal, quem realmente se importa com distinções como a priori e a posteriori, ou entre afirmações analíticas e sintéticas?

Lee, por sua vez, gostava de explorar como o pensamento crítico e certos hábitos mentais podem nos ajudar a enfrentar aquilo que ele chamava de nosso “demônio interior” — algo que podemos entender como pensamento fechado, preconceitos, vieses, hipocrisia ou, dizendo de maneira menos elegante, pura “baboseira”.
Essa ideia remete ao clássico On Bulls**t, do filósofo de Princeton Harry Frankfurt. Frankfurt argumenta que a “conversa fiada” é diferente da mentira porque, enquanto o mentiroso ao menos precisa conhecer a verdade para distorcê-la, o “falador de bobagens” sequer se importa se o que diz é verdadeiro ou não. Nesse sentido, é até pior.
Lee também não evitava temas que muitos filósofos contemporâneos preferem ignorar: amor e suas muitas formas, emoções, religião e até a existência de Deus. Assuntos que fazem parte da vida de quase todo mundo, mas que uma parcela da academia só toca quando busca estabilidade na carreira — e, ainda assim, com bastante cautela.
Eu, pessoalmente, acho as posições políticas de Lee bastante razoáveis. No entanto, elas acabaram gerando atritos com setores da oposição de Hong Kong, especialmente aqueles mais alinhados ao discurso “pró-democracia” ou fortemente pró-Ocidente.
Lee certa vez comentou que não era exatamente “pró-China”, mas que respeitava o governo central “a uma distância bem segura” — uma frase carregada de ironia.
Mesmo assim, ele não hesitou em criticar publicamente o ativista “pró-democracia” Billy Fung Jing-en, então presidente da união estudantil da Universidade de Hong Kong. Fung se opôs ao conselho universitário em 2015 após a instituição rejeitar a candidatura do professor liberal Johannes Chan Man-mun para um cargo administrativo importante.
Para entender esse posicionamento de Lee, é essencial considerar algumas de suas grandes implicâncias filosóficas — entre elas, o relativismo extremo.
Lee reconhecia como positivo o fato de vivermos expostos a culturas e visões de mundo diversas, aprendendo a valorizar essas diferenças. Porém, alertava que essa inclinação liberal-democrática pode acabar reduzindo a importância da autoridade legítima e do conhecimento especializado, colocando todas as opiniões no mesmo nível, como se tivessem o mesmo peso.
Ele também argumentava que o conceito de “direitos humanos” muitas vezes é definido de forma limitada, mas usado de maneira universal e indiscriminada — inclusive para mascarar práticas de dominação e agressão.
Assim como existem divulgadores científicos para tornar a ciência acessível, Lee acreditava que também precisamos de divulgadores filosóficos, pessoas capazes de levar ideias profundas ao público em geral. E Hong Kong teve a sorte de contar com alguém tão talentoso nessa missão.
Com Conteúdo de myNEWS!

Olá! Eu sou o Eduardo Feitosa, criador do Mundo Filosófico. Minha paixão pela filosofia nasceu do desejo de entender melhor o mundo, as pessoas e, claro, a mim mesmo. No blog, meu objetivo é tornar conceitos filosóficos acessíveis e descomplicados, trazendo reflexões profundas de uma forma clara e prática.






